Coletânea de Sebastião Uchoa Leite deve ser lançada em janeiro
Ao mesmo tempo em que bons autores seguem produzindo livros de poesia intrigantes, sugerindo certa medida de renovação (como indica o Prêmio Jabuti conquistado pelo carioca Alexandre Guarnieri, com “Corpo de Festim”) aliada a autores que se mantêm vigorosos (Eucanaã Ferraz, que neste ano apresentou “Escuta”), existem também obras e escritores valiosos que permanecem pouco conhecidos na história do gênero na literatura nacional.
Um caso interessante é o escritor pernambucano Sebastião Uchoa Leite (1935-2003); a editora Cosac Naify, em parceria com a Companhia Editora de Pernambuco (Cepe), apresenta, com lançamento previsto para janeiro, a publicação “Poesia Completa”. Este é um dos últimos trabalhos da editora paulista, que no fim de novembro anunciou o encerramento das atividades, ressaltando que iria concluir os trabalhos ainda em andamento – o livro do poeta nascido em Timbaúba é um exemplo.
“A obra de Sebastião é extremamente expressiva por sua condensação. Está longe de ser larga e em nada serve para quem tenha a poesia como uma suave música sentimental”, explica Luiz Costa Lima, professor e crítico reconhecido como um dos mais importantes teóricos da literatura brasileira, autor do livro “Sebastião Uchoa Leite: Resposta ao Agora”. “Sebastião é uma figura absolutamente dissonante no amaneiramento poético que permanece dominante entre nós. Nos deixou um legado de um autor que não se curva ao gosto dominante, situado entre o fácil e o erótico sedutor; em lugar disso, acentua e exacerba o tom seco, ácido, agressivo da poesia de João Cabral”, destaca.
Embora o texto de Sebastião revele sua sensível narrativa poética – a qualidade lírica de um autor que “não esconde que a vida é uma mancha escura que requeima”, na análise de Luiz -, seu impacto na história da poesia nacional parece relativamente reduzido. “Creio que pela dificuldade de sua circulação”, opina Costa Lima. “O livro de estreia de Sebastião, ‘Dez Sonetos Sem Matéria’ (1960), foi publicado no Recife, pela generosidade do Gráfico Amador. Terá sido conhecido além da província?”, questiona o pesquisador.
“Seu livro ‘Antilogia’ (1979) foi publicado graças à colaboração de dezenas de amigos, cujas contribuições eram coletadas por Priscila Kupermann. Sua pequena tiragem não permitiria uma circulação maior do que entre outros poetas e uns poucos críticos. Sua grande edição, que reúne sua produção até 1988, ‘Obra em Dobras’, foi publicada pela generosidade de outro amigo, Augusto Massi, que empenhou o pequeno capital que não sei de onde lhe veio na coleção intitulada Claro Enigma”, aponta o acadêmico.
A trajetória intelectual de Sebastião parece também sofrer com um problema recorrente entre poetas de qualidade e curto alcance junto a leitores: os rumos de uma autoria sem concessões. “Poeta para poetas, refratário a concessões e conchavos, mais ainda a uma linguagem engraçadinha e jornalística, Sebastião não poderia atrair algum grande público. Seu reconhecimento esteve restrito aos que, de fato, se interessam pela qualidade”, opina Luiz. “Para que tivesse ‘o devido reconhecimento’ seria preciso que houvesse lugar para as poucas vozes capazes de distingui-lo. Ora, com o desaparecimento dos suplementos, isso só pode ser feito por uma forma de circulação igualmente rarefeita: o livro de ensaios”, destaca o autor.
Sebastião Uchoa Leite (Timbaúba, 31 de janeiro de 1935 — Rio de Janeiro, 27 de novembro de 2003) foi um poeta, ensaísta e tradutor brasileiro.
Inicia os cursos de direito e filosofia na Universidade do Recife, atual Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, graduando-se em 1962. Publicou nove livros e estreou na poesia em 1960, com Dez Sonetos sem Matéria. Nessa época, participava de um grupo de literatura com Luís Costa Lima, depois atuou no Suplemento Literário do principal jornal pernambucano, o Jornal do Commercio. No Recife, formou-se em Direito e Filosofia e depois que trocou a capital pernambucana pelo Rio de Janeiro, continuou trabalhando com traduções e edições de livros.
Nos anos 70, trabalhou com Otto Maria Carpeaux e Antônio Houaiss em enciclopédias, tem sido um dos responsáveis, ao lado de Luís Costa Lima, Jorge Wanderley e Gastão de Holanda, pela publicação da revista José, que em dez números publicou desde poetas concretos a poetas marginais, não deixando de lado os modernistas.
Em 1980, ganhou o prêmio Jabuti de Poesia, pelo livro Antilogia. Este prêmio foi ganho outras duas vezes, na categoria tradução, em 1998 com Crônicas Italianas de Stendhal(junto com Rodolfo Ilari – por Brevário de Estética e José Paulo Pais – por Asce – Os Salvadores de Deus) e em 2001 com Poesia de François Villon.
Traduziu obras de vários autores como Julio Cortázar, Lewis Carroll, A. M. Krich, Ângelo M. Ripellino, Stendhal, Octavio Paz e François Villon.
O poeta morreu de insuficiência cardíaca. Tinha 68 anos e era casado com a antropóloga carioca Guacira Waldeck.
Nesse mês, pouco antes de ser internado, Uchoa Leite conquistou o segundo lugar do Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira, com A Regra Secreta, pelo qual recebera 30 mil reais. Ao todo, o poeta publicou doze livros, entre poemas e ensaios.
A perda foi lamentada pelo meio literário brasileiro. O poeta Ferreira Gullar ressaltou sua ética e o qualificou como “poeta de muito requinte, tradutor excelente e um intelectual competente”. “Era alguém por quem tinha um grande carinho, apesar das discordâncias artísticas”, afirmou.
Poesias
- Dez Sonetos sem Matéria, 1960
- Antilogia, 1979
- Isso não é Aquilo, 1982
- Obras em Dobras (1960-1988) (que reúne os anteriores, além de Dez Exercícios numa Mesa sobre o Tempo e Espaço, Signos/Gnosis e Cortes/Toques), Duas Cidades, 1988
- A uma Incógnita, Editora Iluminuras, 1991
- A Ficção Vida, 1993
- A Espreita, Editora Perspectiva, 2000
- A Regra Secreta, Editora Landy, 2002
- Crítica de Ouvido, Cosac Naify, 2003
Coisas de Timbaúba e Região