“Cresci em Timbaúba, cidade da Zona da Mata pernambucana. Sou a primeira neta de uma tradicional família local, os Cavalcanti, e por muito tempo fui a única menina entre cinco filhos (minha irmã é dez anos mais nova). Talvez por isso meu pai tenha sido tão rígido na minha criação. Aos 12 anos, passei a frequentar um colégio interno do Recife, só para meninas. Filha exemplar e aluna aplicada, passava os dias de lazer lendo o escritor americano Sidney Sheldon e a revista Seleções. Era obediente demais, apesar de sonhar ser dona de mim, como as personagens de minhas histórias favoritas.
Me libertei de um marido conservador e me tornei uma empresária de sucesso. Aos 14, todas as meninas da turma namoravam. Já eu era insegura, pouco saía, não chamava a atenção dos meninos e tinha a mãe como melhor amiga. O menino que abalava os corações naquela época chamava-se Paulo Moura, o Paulinho, e veraneava na mesma praia que eu, Ponta de Pedras, no litoral norte de Pernambuco. Tinha 17 anos, dirigia uma Brasília vermelha, usava calça de verniz e blusa cacharel – o kit de playboy dos anos 70. Num dia de setembro, durante um evento da cidade, Paulinho veio falar comigo. Quase emudeci. Quando cheguei em casa, contei para minha mãe. ‘Esse rapaz não é para namorar’, disse. Mas ele insistiu. Naquele verão, quando fui para Ponta de Pedras, lá estava ele com a família. As empregadas de casa corriam até minha mãe quando ele se aproximava de mim. Eu achava que ele tinha os piores defeitos. Era mulherengo, queria ser senhor de engenho e pouco estudava. Mas não tinha jeito, estava me apaixonando pelo cabra. Quando finalmente me pediu em namoro, disse que ia pensar – do jeito que minha família tinha ensinado – e fui pedir permissão em casa. Meu pai, claro, foi contra. Mas minha mãe sabia amansá-lo. E assim me tornei a namorada de Paulo Moura.
Passei a ir até o engenho toda semana para esperá-lo. Namorávamos das 8 às 10 da noite, aos sábados. Mas não demorou para que ele começasse a faltar aos encontros que, de semanais, viraram quinzenais e logo mensais. ‘O carro enguiçou’, ‘A estrada está barrenta’. As desculpas eram sempre as mesmas. Eu aproveitava suas ausências para desenhar roupas, era ótima nisso. Criava pantalonas, estampas, blusas com apliques e pedia para Ivone, a costureira da nossa casa, remendar. Dali a um ano, quando comecei a frequentar a escola técnica de moda, me apaixonei ainda mais por estilismo.
Tentei terminar com Paulinho, mas sofria muito longe dele. Na vez em que tive certeza de que conseguiria botar um fim em tudo, ele veio até a fazenda em um sábado, no meu aniversário, 27 de setembro. Trouxe uma caixa de chocolates e, quando abri, havia um porta-joias com um anel de brilhantes no meio dos bombons. Era um sonho, quase desmaiei de alegria.
Continuei minha vidinha acomodada entre a cidade e o engenho. Estudava dentro de casa, enquanto minhas amigas iam para a badalação. Tanto que passei em segundo lugar no vestibular para a faculdade de desenho industrial da Universidade Federal de Pernambuco. Comecei o curso no mesmo ano do meu noivado, no dia 23 de maio de 1976, numa festança em Cipó Branco que só não foi maior do que a do meu casamento, no ano seguinte. Me lembro como se fosse hoje: uma cerimônia para mais de 600 pessoas. Parecia um sonho estar casando com aquele homem.
A pernambucana Mércia Moura, 59 anos, cresceu em berço esplêndido e sob rédea curta num engenho de açúcar. Casou-se por amor, mas largou a faculdade para ser do lar. Quando a autoestima minguou, virou o jogo e decidiu empreender, contra a vontade do parceiro. Hoje, toca uma confecção que produz 1.200 peças por dia e capacita mulheres da região
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Coisas de Timbaúba e Região