O dia a dia dos alunos chega sempre carregado de vivências distantes de qualquer rotina para a professora Ana Rachel Alcoforado, 48 anos, que trabalha na área educacional há 18 anos e mora no município de Timbaúba, na Mata Norte de Pernambuco. Ela conhece as carências financeiras e afetivas do estudante da educação básica e acredita que o papel do profissional da área vai além de ensinar o conteúdo dos livros didáticos, porque o aluno vê um espelho no educador ou educadora. Sem filhos biológicos, Ana passou algumas experiências dolorosas na escola pública, mas também compartilhou o amor das crianças e pré-adolescentes. A mudança inesperada veio no ano de 2010, quando uma curva mudou sua vida. Após a morte acidental do companheiro, com que tinha união estável há cinco anos, Ana encheu os olhos de céu nublado. Entrou em depressão por três anos, enfrentou dificuldades financeiras e começou a usar, sem querer, a roupa da invisibilidade. Em Timbaúba,
Ana morava numa casa alugada com um professor do estado (cujo nome será preservado nesta matéria), dividiam a vida, as contas, tudo. Mas começou a perder cada conquista quando ele faleceu num acidente de moto, em maio de 2010, no mesmo dia em que ele fez aniversário de 60 anos. Neste final de semana, o Diario encerra a série A porta dos Invisíveis com a história de Ana Rachel, que encontrou, na Defensoria Pública do estado, uma oportunidade de resgatar dignidade e ser enxergada pelo poder público (Executivo, Legislativo e Judiciário). O defensor responsável pelo seu caso, naquela época, atualmente é o defensor-geral de Pernambuco, Manoel Jerônimo, que começou a carreira no município de Timbaúba, a 100 quilômetros do Recife. O processo da professora foi um dos primeiros em que ele atuou, antes do status que hoje ocupa. Marcou a trajetória de ambos.
Ana Rachel sofreu um choque pós-traumático após saber que o marido tinha sofrido um acidente de moto numa curva perigosa, batendo num caminhão-caçamba. Ela deslocou-se à casa da mãe, Maria Ângela, que também faleceu este ano, caiu em prantos e não conseguiu mais voltar à residência que dividia com o companheiro. A professora passou um mês afastada da escola, por determinação de um médico-psiquiatra, porém não pôde lidar com as mesmas emoções ao retornar à sala de aula.
Perdia o controle emocional, estressava-se com os alunos e continuar naquele ritmo, para ela, não fazia o menor sentido. Ana teve que ser deslocada de função por quase três anos e sair da sala de aula.
Ao drama profissional da professora e à perda do companheiro, acumularam-se contas que pareciam impagáveis. Ela ajudava no sustento da mãe idosa com apoio do marido, porém passou mais de dois anos e meio para receber a pensão. A defensoria apresentou provas de que os dois moravam juntos e ganhou a causa, mas o governo estadual recorreu para não pagar o benefício.
Mesmo depois de sete anos, a professora chora ao relembrar os momentos de dificuldade, uma época em que respirar, só respirar, já era difícil. Ela conheceu o professor na casa de um amigo em comum e os dois foram morar juntos em menos de seis meses. Segundo Ana, casar no cartório era muito caro e ambos concordaram em não assinar os papeis. As provas de sua união estável foram apresentadas por testemunhas, fotos e documentos, mas o estado recorreu até ser obrigado pela Justiça e ameaçado de pagar multa de R$ 3,5 mil ao dia por atraso.
O governo do estado não respondeu quanto gasta em pensões até o fechamento da reportagem, mas, já naquela época, de bonança na economia, a professora transformou-se apenas num número. Com dois anos, a união estável é aceita como se fosse um casamento, mas os tramites são imprevisíveis no Judiciário, sendo recomendado que o casal documente seu estado civil pelo menos em escritura pública de união estável – que gira em torno de R$ 20. Pouco mais de 40% dos casais do Nordeste são formados de forma consensual, sem registro em cartório, segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Em 2013 – em data não recordada com definição – Ana Rachel voltou à sala de aula com “sentimento de gratidão” e o direito de ser enxergada novamente. Pouco depois de a Defensoria ganhar seu caso, ela recuperou-se da depressão, quitou as dívidas e ajudou a mãe até o seu falecimento, há quatro meses, aos 84 anos. Na última sexta-feira, quase uma década depois, Ana Rachel disse que conquistou a cidadania ao passar por uma inclusão jurídica, como uma reparação.
A professora enfrentou o tempo da Justiça e o governo do estado, mas lamentou por tantos obstáculos impostos à construção da cidadania, enquanto lideranças políticas são flagradas com malas de dinheiro, continuando as mesmas práticas de corrupção. “É muito triste ver aquelas malas de dinheiro na televisão e saber que eles estão tirando da boca de inocentes”, afirmou, ressaltando que muitos anônimos no Brasil são desprovidos de direitos. “O professor tem uma relação muito direta com o ser humano. A gente trabalha todo dia, vê a realidade das crianças das escolas públicas, que são tão vulneráveis, e não entende esse país”, disse Ana ao conceder a entrevista para o Diario. Estava com outros olhos, mas sem esquecer dos mais próximos, dos que ama. “Eu? Quem eu sou? Acho que sou uma pessoa que deseja o bem”, falou.
Ana morava numa casa alugada com um professor do estado (cujo nome será preservado nesta matéria), dividiam a vida, as contas, tudo. Mas começou a perder cada conquista quando ele faleceu num acidente de moto, em maio de 2010, no mesmo dia em que ele fez aniversário de 60 anos. Neste final de semana, o Diario encerra a série A porta dos Invisíveis com a história de Ana Rachel, que encontrou, na Defensoria Pública do estado, uma oportunidade de resgatar dignidade e ser enxergada pelo poder público (Executivo, Legislativo e Judiciário). O defensor responsável pelo seu caso, naquela época, atualmente é o defensor-geral de Pernambuco, Manoel Jerônimo, que começou a carreira no município de Timbaúba, a 100 quilômetros do Recife. O processo da professora foi um dos primeiros em que ele atuou, antes do status que hoje ocupa. Marcou a trajetória de ambos.
Ana Rachel sofreu um choque pós-traumático após saber que o marido tinha sofrido um acidente de moto numa curva perigosa, batendo num caminhão-caçamba. Ela deslocou-se à casa da mãe, Maria Ângela, que também faleceu este ano, caiu em prantos e não conseguiu mais voltar à residência que dividia com o companheiro. A professora passou um mês afastada da escola, por determinação de um médico-psiquiatra, porém não pôde lidar com as mesmas emoções ao retornar à sala de aula.
Perdia o controle emocional, estressava-se com os alunos e continuar naquele ritmo, para ela, não fazia o menor sentido. Ana teve que ser deslocada de função por quase três anos e sair da sala de aula.
Ao drama profissional da professora e à perda do companheiro, acumularam-se contas que pareciam impagáveis. Ela ajudava no sustento da mãe idosa com apoio do marido, porém passou mais de dois anos e meio para receber a pensão. A defensoria apresentou provas de que os dois moravam juntos e ganhou a causa, mas o governo estadual recorreu para não pagar o benefício.
Mesmo depois de sete anos, a professora chora ao relembrar os momentos de dificuldade, uma época em que respirar, só respirar, já era difícil. Ela conheceu o professor na casa de um amigo em comum e os dois foram morar juntos em menos de seis meses. Segundo Ana, casar no cartório era muito caro e ambos concordaram em não assinar os papeis. As provas de sua união estável foram apresentadas por testemunhas, fotos e documentos, mas o estado recorreu até ser obrigado pela Justiça e ameaçado de pagar multa de R$ 3,5 mil ao dia por atraso.
O governo do estado não respondeu quanto gasta em pensões até o fechamento da reportagem, mas, já naquela época, de bonança na economia, a professora transformou-se apenas num número. Com dois anos, a união estável é aceita como se fosse um casamento, mas os tramites são imprevisíveis no Judiciário, sendo recomendado que o casal documente seu estado civil pelo menos em escritura pública de união estável – que gira em torno de R$ 20. Pouco mais de 40% dos casais do Nordeste são formados de forma consensual, sem registro em cartório, segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Em 2013 – em data não recordada com definição – Ana Rachel voltou à sala de aula com “sentimento de gratidão” e o direito de ser enxergada novamente. Pouco depois de a Defensoria ganhar seu caso, ela recuperou-se da depressão, quitou as dívidas e ajudou a mãe até o seu falecimento, há quatro meses, aos 84 anos. Na última sexta-feira, quase uma década depois, Ana Rachel disse que conquistou a cidadania ao passar por uma inclusão jurídica, como uma reparação.
A professora enfrentou o tempo da Justiça e o governo do estado, mas lamentou por tantos obstáculos impostos à construção da cidadania, enquanto lideranças políticas são flagradas com malas de dinheiro, continuando as mesmas práticas de corrupção. “É muito triste ver aquelas malas de dinheiro na televisão e saber que eles estão tirando da boca de inocentes”, afirmou, ressaltando que muitos anônimos no Brasil são desprovidos de direitos. “O professor tem uma relação muito direta com o ser humano. A gente trabalha todo dia, vê a realidade das crianças das escolas públicas, que são tão vulneráveis, e não entende esse país”, disse Ana ao conceder a entrevista para o Diario. Estava com outros olhos, mas sem esquecer dos mais próximos, dos que ama. “Eu? Quem eu sou? Acho que sou uma pessoa que deseja o bem”, falou.
Do: Diário de Pernambuco
Coisas de Timbaúba e Região